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Como minimizar o balanço energético negativo e as desordens metabólicas subsequentes

balanço energético negativo é um mecanismo fisiológico em que a energia secretada na produção de leite é maior do que a capacidade de consumo de matéria seca (CMS) das vacas leiteiras. O período periparto é caracterizado por fortes adaptações metabólicas, mudanças que iniciam geralmente nas três últimas semanas da gestação e podem se estender até as primeiras semanas após o parto.

Esse processo leva a mudanças metabólicas como:

        • mobilização de lipídeos corpóreos e músculo,
        • perda de peso,
        • menor insulina e também baixa glicose circulante pelo reduzido CMS.

Ainda nesse período há a elevação das concentrações de hormônio do crescimento, supressão do sistema de fator de crescimento semelhante à insulina, elevação de ácidos graxos não esterificados e β-hidroxibutirato. O requerimento das demandas energéticas também aumenta rapidamente devido, principalmente, ao crescimento fetal no pré-parto e lactogênese, que começa na produção de colostro e se consolida durante a lactação (WATHES et al., 2007).

A mobilização de reservas corporais advindas do tecido adiposo é um processo que contribui para suportar essa demanda alta de energia no período pós-parto. A vaca leiteira de alta produção, dificilmente consegue consumir dietas em quantidade suficiente para suportar o leite secretado nos primeiros meses de lactação.

Quando isso acontece de forma muito intensa, alguns problemas metabólicos como a cetose podem ocorrer e influenciar numa série de outros problemas subsequentes, como:

        • imunossupressão,
        • mastite,
        • problemas de casco,
        • síndrome de subfertilidade,
        • baixa produção etc.

Cetose e Lipidose Hepática

cetose e a lipidose hepática (também conhecida como síndrome do fígado gorduroso) são doenças correlacionadas ao balanço energético negativo. Esses eventos podem ser mais graves quando a mobilização de reservas se inicia no pré-parto.

A predisposição para tais distúrbios ocorre devido à já citada mobilização de gordura corporal em excesso, que pode afetar negativamente a produção, saúde e reprodução (DUFFIELD et al., 1999).

A cetose clínica manifesta-se em ruminantes quando eles estão sujeitos a maiores demandas de glicose e glicogênio, os quais podem ser encontrados na sua atividade metabólica e digestiva. Dentro da cetose clínica, ainda existem quatro subtipos: primária, secundária, alimentar e espontânea.

Na cetose primária, a vaca não recebe a quantidade de alimentos adequados. Na secundária, a ingestão de alimentos é diminuída em consequência de uma doença. Na alimentar, a ingestão é rica em precursores cetogênicos, e na espontânea a vaca apresenta elevadas concentrações de corpos cetônicos no sangue, apesar de ingerir uma dieta aparentemente adequada (VAN CLEEF et al., 2009).

cetose subclínica pode ser definida como um estágio pré-clínico da cetose, caracterizando-se por uma elevação dos corpos cetônicos no sangue, sem as manifestações clínicas da doença. (CAMPOS et al., 2005).

Fase de Transição

Como minimizar o balanço energético negativo e as desordens metabólicas subsequentes

Para evitar uma situação de balanço energético negativo muito acentuada é necessário tomar algumas atitudes e desenvolver estratégias dentro da fase de transição.

Nessa fase é importante assegurar uma condição em que haja estímulo de consumo, pois existem períodos em que a vaca fica naturalmente com limitação de ingestão de alimentos, principalmente na semana que antecede o parto. Dessa forma, é necessário trabalhar em um ambiente que minimize ou elimine as condições que possam agravar essa queda de consumo, como por exemplo, o stress térmico, ou alimentos de baixa qualidade, baixa digestibilidade ou baixa palatabilidade.

Também é importante trabalhar com um lote pós-parto, tendo baixa lotação e diminuindo a competição dos animais, podendo assim oferecer uma dieta específica para atender às exigências e manter uma suplementação estratégica para essa fase, adensando a dieta de forma geral.

Índices Reprodutivos

Um aspecto importante a ser considerado é que bons índices reprodutivos garantem um bom equilíbrio da condição corporal dos animais. A reprodução ruim pode ser causa, ou consequência do alto escore corporal.

Quanto mais cedo a vaca emprenha, menos tempo em fase de menor produção ela passa, evitando que permaneça produzindo pouco leite e comendo comida rica em energia, que contribuem para aumento da condição corporal.

Trabalho realizado pelo grupo do doutor Raj Duggavathi da Universidade de Montreal no Canadá, avaliou o efeito dos níveis de corpos cetônicos no sangue de vacas leiteiras e verificaram que animais com falhas reprodutivas têm, normalmente, níveis circulantes de Betahidroxibutirato (BHB) mais altos até seis semanas pós-parto e que, níveis mais altos foram associados com falhas reprodutivas como taxa de concepção e prenhez.

Condição Corporal

Animais com condição corporal acima de 3,5 durante o período de transição tendem a mobilizar mais reserva corporal, comparado a animais com condição corporal abaixo de 3,5. O escore ideal ao parto para uma vaca leiteira é de 3,5, com um intervalo aceitável de 3,25 a 3,75 (LAGO et al., 2001), porém já existem autores que relatam o escore 3,0 como o ideal.

Fêmeas que parem abaixo desse padrão também podem ser mais propensas a doenças infecciosas, transtornos metabólicos e redução na produção de leite, enquanto vacas excessivamente gordas são mais propensas a partos distócicos, cetose e doenças relacionadas.

Um trabalho realizado pela equipe de Peter Hut Utrecht University (Hut et al 2021) avaliou a associação entre escore de condição corporal, consumo e problemas de claudicação. Eles verificaram que vacas que perdem mais de 0.75 unidades de escore corporal na semana 4 de lactação, e também vacas que passam menos tempo comendo no pós-parto, têm mais problemas de claudicação comparadas a animais que comem por mais tempo e perdem menos escore corporal.

Balanceamento de dietas

Outro ponto muito importante é o correto balanceamento de dietas, uso de ingredientes adequados e correto agrupamento dos animais.

Animais muito produtivos precisam de alimentos com maior aporte energético de alta digestibilidade, como por exemplo, o amido. Animais em meio e final de lactação precisam de dietas com maior aporte proteico e fibra de alta digestibilidade, enquanto animais de média e baixa produção, que permanecem no mesmo grupo das vacas de mais leite (dietas ricas em energia), são mais propensos a se tornarem obesos.

Isso ocorre porque a grande demanda de energia vem da produção de leite. Se a vaca come uma dieta rica sem produzir o leite pertinente, ela engorda.

Quando não conseguimos evitar o excesso de escore dos animais não há muito o que fazer. Se a prevalência de animais com escore corporal acima de 3.75 ou 4 é alta, uma possibilidade poderia ser trabalhar com suplementação de substâncias precursoras de glicose, como propilenoglicol no pós-parto imediato.

Essas substâncias são apenas paliativas, para diminuir os efeitos da cetose. Esses precursores são metabolizados e fazem com que o organismo da vaca entenda que tem aporte energético originado de outra fonte, diminuindo a intensidade do balanço energético negativo.

O fornecimento de propilenoglicol às vacas pode:

        • aumentar a glicemia, em 1 a 9%,
        • aumentar o nível de insulina no sangue, de 12 a 99%,
        • reduzir o nível sangüíneo de ácidos graxos não esterificados, em 4-23% e de beta-hidroxibutirato em 28-43% (NIELSEN & INGVARTSEN, 2000).

Lembrando que, na fase de pós-parto, quanto menos se manipular os animais, menor é a chance de estresse e maior é a possibilidade do animal acessar o cocho naturalmente.

Portanto, manter os animais saudáveis para que tenham um período de transição confortável, perdendo menor quantidade de peso possível, maximizando o consumo de matéria seca antes e após o parto, além de boa reprodução, são fatores interligados e que, se respeitados, garantem animais saudáveis, produtivos e lucrativos, contribuindo para viabilizar a fazenda leiteira.

REFERÊNCIAS
Campos, R., González, F., Coldebella, A., & Lacerda, L. (2005). Determinação de corpos cetônicos na urina como ferramenta para o diagnóstico rápido de cetose subclínica bovina e relação com a composição do leite. Archives of Veterinary Science, 10(2).
DUFFIELD, T.F.; LESLIE, K.E.; SANDALS, D.; LISSEMORE, K.; MCBRIDE,B. W.; LUMSDEN, J.H.; DICK, P.; BAGG, R. Effect of Prepartum Administration of Monensin in a Controlled-Release Capsule on Milk Production and Milk Components in Early Lactation. Journal of Dairy Science. 82(6): 1254-1263, 1999.
LAGO, E. P.; PIRES, A. V.; SUSIN I.; FARIAS V. P.; LAGO L. A. Efeito da condição corporal ao parto sobre alguns parâmetros do metabolismo energético, produção de leite e incidência de doenças no pós-parto de vacas leiteiras. Revista Brasileira de Zootecnia, v. 30, p.1544-1549. 2001.
NIELSEN & INGVARTSEN. Propylene glycol for dairy cows. DJF Rapport, Husdyrbrug. No. 18, p58; Tjele; Denmark, 2000.
Van Cleef, E., Patiño, R., Neiva Júnior, A., Serafim, R., Rego, A., & Gonçalves, J. (2009). Distúrbios Metabólicos por manejo alimentar inadequado em ruminantes: novos conceitos. Revista Colombiana  De Ciencia Animal, 1(2), 319–341.
Hut, P.R. et al. Associations between body condition score, locomotion score, and sensor-based time budgets of dairy cattle during the dry period and early lactation
Journal of Dairy Science, Volume 104, Issue 4, 4746 – 4763

Lucas Mesquista dos Santos
Lucas Mesquita dos Santos é Consultor Técnico de Bovinos de Leite
na Agroceres Multimix