Top

O leite da manhã é diferente do leite da noite?

O metabolismo na maioria dos organismos pode mostrar variações entre o dia e a noite. Essas variações também podem afetar a composição de produtos.

A maioria das atividades vitais, incluindo a secreção de hormônios e atividades metabólicas, apresentam variações periódicas distintas – Podem ser diárias, semanais, mensais, anuais… Esse tipo de ciclo chamamos de ritmo Circadiano.

Qual a importância de um ritmo Circadiano?

Ritmo circadiano ou ciclo circadiano designa o período de aproximadamente 24 horas sobre o qual se baseia o ciclo biológico de quase todos os seres vivos, sendo influenciado principalmente pela variação de luz, temperatura, marés e ventos entre o dia e a noite. O ritmo circadiano tem influência sobre: a digestão ou o estado de vigília e sono, a renovação das células e o controle da temperatura do organismo.

Resultados de pesquisas indicaram que enzimas antioxidantes têm um ritmo circadiano, que pode refletir a resposta fisiológica ao estresse oxidativo em seres vivos (Krishnan, Davis and Giebultowicz, 2008). Esse é um ponto importante e interessante quando avaliamos as expressões enzimáticas e suas relações com as composições metabólicas dos alimentos e dos organismos vivos.

Qual a influência do ritmo Circadiano no leite?

O leite contém todos os  nutrientes essenciais para nutrir e promover o crescimento de jovens mamíferos (Teng et al., 2021). Como os nutrientes do leite são transportados do sangue, as variações no sangue também afetam a composição do leite. Foi relatado que a concentração de melatonina no leite ordenhado pela manhã, o leite noturno, foi de 14,87  µg/ml, enquanto no leite ordenhado no período da tarde, leite diurno, foi de 6,98 µg/ml (Romanini et al., 2019). Já no verão, a concentração de melatonina foi menor do que no inverno (Asher et al., 2015).

Esses são um dos poucos estudos apontando as diferenças de metabólitos ou as diferenças específicas de lipídios e carboidratos entre o leite diurno e o leite noturno.

Trazemos abaixo um relato interessante de um experimento realizado e publicado recentemente no Journal of Dairy Science (Teng et al., 2021), o periódico científico mais importante do mundo na área de produção de leite.

Foram usadas 10 vacas estabuladas com condições controladas. Coletaram duas amostras de leite com 50 ml: às 5h e às 15h. 3 dias consecutivos de coletas foram realizados e armazenados para análise.

A primeira pergunta seria: Existe diferença na composição Macro do leite? A resposta: Não!

Não foram encontradas diferenças estatísticas entre o leite ordenhado pela manhã em relação a ordenha da tarde. Na prática, todos os componentes do leite, tem igual concentração. Mas então para que trazer esse assunto? Vamos direto aos pontos relevantes.

Nosso foco agora passa a ser as diferenças dentro da composição, ou seja, se existe mudança dentro da composição. Será que é possível que as cadeias de lipídeos, proteínas, vitaminas e minerais são diferentes de uma ordenha para outra? Se existe, qual o impacto direto para o produtor?

O leite é um alimento complexo e completo que contém os nutrientes essenciais para os jovens mamíferos (em síntese, não só para os bezerros, mas tratamos aqui para todas as espécies de mamíferos). O estudo de Dehghan et al., (2018) relatou que níveis mais elevados de consumo de laticínios (leite e seus derivados) estão associados ao menor risco de mortalidade e doenças cardiovasculares.

Para ser possível afirmações sobre a redução do risco, precisamos de um indicador. O malondialdeído (MDA) é um marcador de estresse oxidativo que indica altos estados de oxidação da membrana celular. Dessa forma, quanto mais MDA existe maior o risco de stress oxidativo e por consequência aumento das doenças cardiovasculares.

O nível médio de MDA no leite noturno foi significativamente reduzido, indicando que o estado metabólico da glândula mamária tem uma relação com as horas do dia. Podemos inferir que o leite noturno pode ser mais saudável em termos de enzimas que auxiliam na redução de doenças cardiovasculares? Sim! Mas como tornar isso viável? Se quisermos concluir algo até aqui, tendo em vista o exposto, podemos inferir que o leite possui propriedades que auxiliam na redução de doenças cardiovasculares e precisamos de mais estudos aprofundados.

Os resultados sugerem que o leite noturno contém níveis reduzidos de fatores pró inflamatórios de MDA e aumento dos níveis de MLT e IFN-µ (que são fatores não inibitórios de oxidação). Foram observadas diferenças significativas: leite diurno e leite noturno com base nos resultados da análise metabólica e perfil lipídico. Alguns achados sugerem que o leite noturno poderia melhorar a qualidade do sono devido às suas altas concentrações de Melatonina (Engler et al., 2012).

Foram encontrados 39 metabólitos diferentes entre leite diurno e leite noturno. O leite noturno apresentou maiores proporções de ácidos graxos insaturados benéficos e Aminoácidos. As causas subjacentes desses achados estão associadas a alterações no estado metabólico em resposta ao ritmo circadiano. 

Fora do que falamos sobre as questões metabólicas, indicando relevância no aumento de melatonina, um grande fato levantado nesse trabalho foi o perfil dos lipídios. Um dos primeiros pontos que tratamos aqui, tem relação com a concentração de gordura, afirmando não existir diferença significativa entre o leite diurno e o leite noturno. Indo além, verificando a composição dessa gordura, fica clara a diferenciação entre os leites. Esse tipo de análise lipídica identifica as variações existente e classifica os lipídios existentes na amostra através da sua estrutura molecular.

Um estudo anterior sugeriu que os níveis de diferentes lipídios no sangue são geralmente mais elevados na fase diurna (meio da manhã ao meio-dia) e exibem oscilações circadianas (Dallmann et al., 2012). Da mesma forma, a análise de perfil lipídico no plasma sanguíneo humano revelou que 13% apresentam oscilações circadianas, e o Triglicerídeos atinge níveis máximos após 8h de luz (Chua et al., 2013).

Vários estudos têm demonstrado que muitos metabólitos mostram oscilações no fígado (Eckel-Mahan et al., 2012) músculo (Dyar et al., 2014), e plasma (Ribas-Latre et al., 2015). Com essa constatação temos a confirmação de uma interação entre o ciclo circadiano e os componentes do leite em nível diário.

Com mais essas afirmações, não só podemos dizer que ocorre um ciclo de composição atrelado a diversos fatores externos, como também existem relações entre os padrões de metabolismo e a expressão de produção desses metabólitos.

Gráfico 1 – Modelo de influência na composição – diferenciação da composição de metabólitos em relação a produção de leite diurno para noturna.

Gráfico 1 – Principais vias metabólicas que diferem entre o leite diurno e o leite noturno (n = 10). Este número visa encontrar caminhos significativamente alterados com base no enriquecimento e análise de topologia. O eixo x representa números compostos, e o eixo y representa caminhos. As cores representam valores de impacto da via. Os números à direita das barras no gráfico significam a proporção de metabólitos diferenciais no número total de metabólitos nesta via.

Por Thimóteo Souza Silvera – A.B.C.B.R.H.

Portal MilkPoint

Foto: Imprensa Sindileite-Goiás